quarta-feira, 26 de agosto de 2009

[Descartes com lentes]

" Vim com as naus de Nassau para expor meu método às tentações deste mundo, para prová-lo nesta pedra-de-toque, mas meu pensar bate nessa pedra - e o eco é pleonasmo, é tautologia, eco a mesmice; reflete, devolve e recusa: siso de Narciso. – Ignoras, mundo, tudo que pensei? – Sei. – Qual é teu arcano que decifrar não consigo? – Sigo. – Aonde vai esta preguiça que para nada tanto tempo levou? – Vou. – Onde reside tua verdade para eu buscá-la? – Cala. – Cogito ergo sum? – Um. – Quem me conta deste mundo, que tento mas não disseco? – Eco. Concrescem as horas e as obras, eu perdido no pó deste pensar, no meio destas cobras. Raízes com ostras. Raízes. 13 Monstros à mostra. Abortos abertos ao sol, e troncos. 0 aparente aparece. Isso é baralho: um ás na hora vale mais que Aristóteles. Mas que digo! Alguém está pensando no meu entendimento, ou já criei bicho na memória? Ou é alguma carne, alguma rês, que comi? O ser é espêsso, definitivo. Precário. Ou uma erva, um clima, uma região e um zôo podem mais que meu entendimento e minha alma imortal? Salvá-la-ei? “Quod vitae sectabor iter?” Isso de Ausônio pergunte-me em verdes anos. E agora entre tououpinambaoults, que me importa? ...

Pisando até esmagar aquela cabeça, o ar se limpa: você apaga essa fogueira do pensar, em cujo fumo gesticulamos afônicos e acéfalos. Afasta-te, remove-te, Parinambouc dá-me 16 o espaço de pensar-te e, em te pensando, salvar meu pensamento da danação, vade retro! Sylva aestu aphy1la, sylva horrida... Intumuere aestu... Falar por falar é coisa que nunca fez mal. Pensar por pensar. Consumir-se suando de pensar como um círio, aceso na cabeça e as formigas me comendo e me levando em partículas para suas monarquias soterradas. A existência existe no existente, a presença presente no presenciar, as circunstâncias no circunstancial, o integro integrado no integral, a totalidade totalmente no total. Contacto compacto com coisas coesas. No grande livro do mundo, Parinambouc são páginas enigmáticas fechadas ao siso e à fala. Este capítulo não cifro nem decifro; ou é erro? ... Não traduzo nem leio. Coagido, cogito. Giro e jazo. Um círculo de giz em volta de meu juízo, uma nuvem, uma caligem, um bafo me embacia o entendimento para que não entenda Parinambouc, - e Parinambouc é o círculo, a nuvem, a caligem..."

Paulo Leminski

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